Eu, Victor Frankenstein e o Sintoma
Minhas associações livre sobre o livro de Mary Shelley
Durante toda minha vida (até agora) pensei que Frankenstein fosse o nome daquele “monstro verde”, presente na Família Adams, na turma do penadinho, e em tantos outros elementos da cultura pop contemporânea. Claro, sabia vagamente sobre a criadora, Mary Shelley, mas nunca havia me interessado por leituras desse tipo.
Para quem se embrenha no mundo dos livros, ou pelo menos no meu mundo dos livros, sabe que ele dá muitas voltas, ainda mais em minha fase atual de vida: Mãe pela segunda vez, quase 42 anos, suspeita de perimenopausa (pesquisem, o assunto aqui é outro). O que isso tem a ver? Uma curiosidade mais aguçada, um despertar para coisas novas, a VIDA tem pressa.
E, por falar em vida, descobri lendo Frankenstein que o monstro (verde ou não, isto é impreciso) não tem nome! Frankenstein, Victor Frankenstein, é na verdade seu criador, um nobre cientista, cheio de bons valores e moral, que é picado pelo desejo de realizar uma obra grandiosa e desbrava assim o caminho das chamada “filosofia natural”, a fim de dar vida a um espécime humano.
As explicações desse processo criativo são incipientes, mas o que importa realmente é o que acontece a partir da criação do que Victor chama de “Demônio” ou “Criatura abominável”.
Subitamente, ao se dar conta de sua criação, o autor foge e tem colapsos emocionais recorrentes. Além disso, ele abandona a criatura e ela também foge, o que causa desconforto, mas sobretudo alívio em Victor.
Aqui começo a escrever minhas associações-livre, meio psicológicas, meio psicodélicas. Vamos lá!
Se Victor desejou tão fortemente a criação, o horror da sua consciência é insuportável instantaneamente! Aqui penso em o terror de lidar com a “causa” dos nossos sintomas, aquilo que recalcamos e que é difícil de suportar, fugimos e negamos na esperança que ele desapareça. O insuportável é negado, é feio, horroroso, medonho, melhor ficar no Inconsciente!
E, tal qual os conteúdos parecem se acomodar no nosso inconsciente, seguimos a vida, mas quando menos esperamos, diante de uma imagem ou experiência, ele retorna, mais atroz do que nunca, insiste e persiste em “falar”, em aparecer.
Em Frankenstein, o monstro tenta viver sua vida superando o abandono do seu criador, mas ao perceber a miséria da sua existência, sua inadequação, volta para prossegui-lo e começa a tirar tudo aquilo de mais precioso para Victor, a fim de machucá-lo e dar vazão ao seu ressentimento. Por meio da dor, consegue ser ouvido e tenta um acordo que é inicialmente aceito por Victor.
Parênteses para minhas loucuras analíticas. Aqui é o retorno do recalcado, tentando conciliar o desejo inconsciente com o real, e quase dá certo, mas a dor da consciência e o “conforto” do sintoma é maior. No caminho da execução do desejo do monstro, Victor recua e se amedronta diante da ameaça e descabimento de ceder e rompe com sua promessa. Agora, sua missão é proteger seus entes queridos e aniquilar o monstro. De modo similar, preferimos nos queixar, muitas vezes nos justificando racionalmente pela permanência em situações que nos são desconfortáveis do que encarar a vida sem o nosso sintoma: qual a nossa responsabilidade pelo nosso desejo?
Victor segue nessa ambivalência até o final da vida: não vive sem o monstro, quer destruí-lo sem sucesso, segue o perseguindo, com uma espécie de ira prazerosa. Sua destruição é sempre inalcançável, talvez por uma espécie de reconhecimento do demônio como parte de si mesmo, não tão ruim, nem inocente.
Com sua morte, o monstro por sua vez, vence em sua vingança, mas tampouco vive sem Victor e decreta seu fim.
Será possível viver sem nossos sintomas? Aqui, não um sintoma físico, obviamente, mas tudo aquilo que organiza nosso Eu, como meio de reparação pelo nosso desejo reprimido. Tal qual Victor e seu monstro, a impressão é que um não vive sem o outro, e se nos livrarmos “de todo mal, amém”, sucumbimos com ele. A negação, contudo, não resolve o problema, apenas adia o confronto. Diante da consciência daquilo que queremos esconder, ouvir verdadeiramente é um ato de coragem, assumir a responsabilidade de nossas escolhas, de nossa infelicidade e mazelas.
Ufa, acho que saiu de dentro de mim um pouco do que esse livro me causou. Muito mais ainda teria para escrever, de diversos pontos de vista. A dialética “repulsa e atração” de Victor por sua obra, fala da nossa humanidade, da nossa dualidade e do insucesso em esconder nossa obscuridade.